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26/03/2012

Entre Quatro Paredes

Entre quatro paredes, quadros e lembranças de tempos imemoriais sob a luz da lua que entra furtiva pela janela empoeirada, discos de vinil, livros em fila para serem lidos, vinhos fechados pra serem espocados e papéis, muitos papéis, que rezam possibilidades de novos poemas que jamais serão compreendidos.

Entre quatro paredes, apertadas, escaldantes, suadas, aromatizadas por gozos e perfumes doces, por sacrifícios e beijos molhados salivados na pele que reza desejo e um lume de satisfação, cantos suaves no pé-do-ouvido e dança... e como dançam os corpos que se vão um contra o outro, ora frenéticos, ora em cadência pulsante, ora sacanas, ora sem nenhuma oração que fizesse jus à música envolvente, ora letárgicos a contemplarem toques.

Entre quatro paredes não param, não descansam, não cessam, se devoram como um lobo devora a presa, como um enxame de abelhas defende sua rainha, misturam fluídos, mel, salgado, doce, amargo, mudam de domínio, de lugar, de plano astral, dentro e fora, combate, guerra e paz, línguas se entrelaçam, se comem nas probabilidades, vértice sagrado, sorrisos profanos, profunda caminhada da carne e belo semblante, regozijo e explosão...

E como explodem os dois amantes solitários e distos do mundo
entre as quatro paredes...      


São Gonçalo, 26 de março de 2012.


20/03/2012

De Que Vale Este Mísero Poeta?

De que vale este mísero poeta?

Eu que devoro a carne das mulheres sorridentes e lânguidas em meu leito embriagado de cerveja, vinho e suor, e no dia seguinte devoro novamente, e de novo, e mais uma vez, e após o lume da solidão sufocante luto incansávelmente contra a paixão;

Eu que converso com entidades na solidão do meu claustro escuro nas noites em que todos festejam suas vitórias e choram suas derrotas constantes e amargas que a vida impõe;

Eu que não voto em partido nenhum para não tomar partido dessa lama suja que nos chafurda e mata de fome a nação;

Eu que me embriago e dou o meu sangue ao chão e aos pequenos cães sarnentos pelos amigos que eu amo e prezo;

Eu que mato minha fé e a recupero na próxima esquina rezando a São  Miguel;

Eu que não ganho dinheiro suficiente para uísques importados, cervejas caras, swings, quartos de motéis sofisticados, grandes festas, ternos de marca e arranjos de flores frescas todas as manhãs;

Eu que escrevo e recebo elogios dos que não lêem nas entrelinhas da minha consciência rascante;

Eu que não fumo cigarros mas fumo charutos às custas de amigos sinceros e honestos;

Eu que já cometi o pecado mortal do adultério;

Eu que já menti para mim mesmo não querendo crer na possibilidade de uma progressão aritmética;

Eu que não tenho asas mas vôo sem sair do lugar;

Eu que já matei pequenos animais por esporte e que já salvei insetos por dó de suas fragilidades;

Eu que não lavo pratos de imediato e deixo acumular a loça até a próxima refeição;

Eu que já enamorei a morte em versos e cantos e temo que ela leve a sério aquelas mentiras;

Eu que acredito em milagres pequenos e desdenho dos milagres que nos fazem perder a razão;

Eu que tenho saudades dos que partiram;

Eu que tenho saudades dos que não me procuram;

Eu que tenho saudades de mim mesmo quando tinha vergonha de falar a verdade;

Eu que hoje falo a verdade e, mesmo assim, com a verdade nua e crua, todos riem desacreditados...

Sim, de que vale este mísero poeta?
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08/03/2012

A Dama Serpente

O mundo se abre aos meus pés.
Suntuoso piso de desejos,
vasto diamante de idéias,
vago e empírico viver...
viver ao revés.
A dama, sinuosa, se enrosca
em meu corpo Alfa & Ômega
e libera um olor de rosas brancas.
Um tênue silvo
e a vulgar prostituta onírica
injeta o ardil veneno
em minhas idéias.
Minha mente fulgaz
da intrépida realidade
morre ficta no jardim das delícias.
Em meu funeral
o dobre de sete sinos
anuncia a ressurreição
para o mundo real.
O despertar, ironicamente aliviante,
me traz o calor
através de minha janela de esperanças.