Eu que tenho andado em becos escuros
e comungado com ratos,
que tenho me ajoelhado diante da cruz
e esquecido meu punhado de orações,
que tenho frequentado bares em noites vazias
e me embriagado de solidão.
E já não me importo
se os bares fecharem,
se a cruz me crucificar ou
os ratos comungarem
com minha carne.
Dê-me suas mãos
e toque minhas vergonhas.
Sinta como inexisto
para o mundo de possibilidades
e promessas e glórias e
desejos.
ratos, ratos, ratos
Se refestelam à minha frente
sorrindo pequenos delitos.
Rimbaud está numa esquina
se esfregando num mestiço
alto, robusto e com dentes de ouro,
enquanto Verlaine bebe solitário
o seu absinto e carrega sua pistola.
PJ Harvey me atravessa
como um fantasma distorcido
e grito o seu nome sorrindo,
mas minha voz
é como uma súplica
dentro de uma garrafa.
Pessoa pisca para mim e digo:
- Ei, não sou um dos seus moços de frete!
ratos, ratos, ratos
O relógio, eterno ouroboros
incessante e cáustico devorador
que rasga e revira
por dentro de memórias
guardadas a sete chaves.
ratos, ratos, ratos
ratos, ratos, ratos, ratos
mais setes vezes ratos
Eles comungam comigo em becos escuros
e sorriem nossos pequenos delitos.
Queria eu não ser
filho de Caim.
A marca na testa,
o pecado estampado
na alma.
[pecado é um anjo caído
no centro da cidade e
que dança
torpe e ensandecido
o jazz
nas noites
tristes e solitárias]
Pecado é desejar
suas curvas
enquanto tudo é proibido
num mundo onde
homens e mulheres
fingem entender
que o inevitável querer
pode anoitecer ou entardecer
dentro de um quarto escuro
e vazio de lembranças.
Queria poder caminhar
sem o peso do mundo
em minha alma.
Mas o mundo todo
serve para isso:
ser levado em viagens
que se findarão antes
mesmo da serpente
morder a própria cauda;
Em breve amanhecerei
e a cidade deixará de ser
soturna, então haverá
carros, pernas, bocas,
pássaros sujos em busca
de restos, crianças,
soldados e tudo, tudo o mais
que se possa caber
numa cidade -
A marca dormirá
em minha testa, eis
minha herança maldita,
minha decadência...
... mas o jazz...
...o pecado...
...as suas curvas...
me faz lembrar
que mais ao final do
dia, mais uma vez
despertará minha
atroz solidão.
A flor cresceu no asfalto
contra todas as possibilidades
e o dia fechou os olhos flamejantes
com suas pálpebras estreladas.
Vencer sempre cansa
e tenho tido escorpiões
em meus dias e nenhuma lua
no meu céu a iluminar
o meu jardim e nenhum cão
para latir em meu quintal e
nenhuma música após o café
frio servido pelo tempo
e pelos náufragos sentimentos
do oceano que crispa no peito.
Tudo é uma questão de interpretar
o antigo livro dos sonhos.
Mas já não posso sonhar
se estou acordado
numa eterna vigília
a contemplar o silêncio...
Sol ferve sobre o monte
- de Vênus -
esverdeado,
saliva amarga
de noites ululantes.
Mosquitos falantes
e fadas desnudas, grilos,
muitos bichos, grilos...
& sentimentos engarrafados
que não se pode beber
senão envenena alma
& coração.
Perna inchada, cabeça cheia,
turvas lembranças
de porra nenhuma,
des-con-si-de-ra-ção:
- faça um amigo e ele saberá te maltratar mais que um inimigo -
, o rio canta suave à esquerda,
ou à direita (e cantam à
direita ou à esquerda felicidades
destiladas, desbirlotadas ou
encenadas).
Transas e tranças no ar e eu
não tenho transado e não
tenho mais tranças, minha calvície
reflete o que sou
em rugas de expressão,
ideias que mudam com
as estações e preguiça
após o almoço.
Eram tempos imemoriais.
Penso assim como dispenso
e ouso cantar
com o choro do rio
que se lamenta
e se desfaz em cascatas
em algum lugar...
...
...
Aldeia Velha (Aldeia Rock Festival XV), 25 de março de 2016.
A vida dói na essência do corpo.
Sensações análogas da existência.
Dói a dor da complexidade da alma,
êxtase entorpecimento dos sentidos.
O sentinela está morto!
O deus se mostra no cômodo
barato de dormir
numa cópula ensandecida.
A rainha branca
abre as pernas para o peão preto.
Então tudo é mistério...
O universo: carrossel de mistérios!
Todas as lágrimas transformam-se em oceano
quando navegamos em tristeza.
Os ratos invadiram a dispensa,
O cão velho ladra
mas não tem forças para morder.
Não há estrelas no céu da cidade.
Verdade, mentira e omissão: ménage a trois.
Se o coração já bate,
por que a vida bate?
A vida dói.
As vezes, até sem querer.
Dói na contestação da própria morte.
O mito, queimou-se no incêndio
dos arquivos da biblioteca
(quando ainda não havia internet)
e sumiu para sempre.
O padre reza, o pastor ora,
a mãe-de-santo recebe,
o governo tira, o ladrão toma,
a puta dá, a polícia prende,
o advogado solta, o médico cura,
a testemunha jura, o marido mente,
a cigana ri e o poeta,
o poeta dói.
O poeta dói na essência
e na complexidade da própria vida.
: cáusticos timbres. Sol na cara lambendo a juventude que se esvai com o sopro do tempo. O amor vai ao supermercado e traz o almoço: coração congelado. Faca que corta o pão, fere a carne. Desprazer em conhecer a verdade. Sexo é bom. Mas estou entediado para tirar e botar... ...a roupa.
A casa está vazia, papéis... muitos papéis espalhados: poesias, velhas histórias de paixões que morreram prematuras, telefones fúnebres e mil folhas em branco a serem preenchidas por ideias vazias (assim-como-a-casa-está) e não há um diabo em qualquer garrafa para tentar-me à antiga dança na qual já fui um exímio trôpego bailarino.
Meu peito dói a dor de mil poemas guardados... Eles sobem à garganta e rumino-os com a paciência dos monges tibetanos, engulo-os novamente e me vem a azia das noites mal dormidas dos pesadelos indecifráveis & meu estômago, ego, fé, amor, paz, queimam ao gosto das palavras não ditas - silenciadas entre os dentes - e guardadas para as várias folhas em branco espalhadas. Vou inchando de insatisfação e querência, mas a casa continuará vazia até não sei quando e a minha alegria morreu envenenada à minha porta após uma noite em que eu sonhei com crianças afogadas e casinhas bonitinhas feitas de chocolate.
É abster-se dos ecos interiores, é ser abatido em pleno voo pelo artilheiro de um país insular.
- é um sentimento estranho - sempre uma decepção.
vento que venta lá venta sempre por lá. montar um templo, seguir a si mesmo no escuro e ver que o templo não resiste ao tempo e ver que os passos não passam de passado.
canções de ninar, preços salgados em doces que não se pode comer depois de escovar os dentes, jornais escritos para forrarem o fundo de gaiolas onde pássaros cegos assoviam um blues, amores líquidos, passagens para marte em liquidação, sonhar de olho aberto com o mundo quadrado na palma das mãos.
- é um sentimento estranho - quando se volta pra casa e vê que as flores morreram porque você estava fora.
Não bebo nada, nada mais senão a chuva. Os bares estão cheios e estou com sede de poesia, insensatez e devaneios. Eu, vazio de possibilidades vejo as boutiques e rezo a um São Francisco cachaceiro que me observa da esquina turva, branca, fria e crua... Mas eu só bebo da chuva e me entrego a saudades imemoriais, entoadas da alma e cantaroladas dentro de um peito carregado de nuvens de lágrimas e copos cheios de anseios. Os bares? Os bares estão cheios... Mas lá eu não vou. Pois os bares não vendem chuva engarrafada.
Saio nas ruas em busca de fôlego, ar pesado carregado, vago cerveja, chope, olhares vazios, sensações de desespero e felicidades plásticas com produtos plásticos de marcas que marcam e ficam nas mentes erguidas e luminosas. Erro passos nos caminhos desfocados e percebo que lá fora tudo é mais distante. Distância que se mede olhando o horizonte e o olhar perdido de perdidos na noite da ilusão em ravisgos que foram por terra.Sim, já não há mais salvação, já não há bote salva-vidas que preste o pulo na poça da angústia, mas há o tempero do ácido, o beijo de Judas, Grapete em garrafas de plástico, Zico na India, calcinhas de amigas secando no box do banheiro, remakes de filmes que julgavam obras-primas, conhaque de gengibre nas esquinas quentes de São Gonçalo, ex-putas carentes que sonham com romance, vida após a morte, políticos sorrindo em eventos de arte, xoxotas raspadas em puteiros de Niterói a 60 pratas, o fim do mundo dos maias, Copa do Mundo, Olimpíadas, veto, voto vendido, voto comprado, venda nos olhos, paixão não correspondida, antiácido, vodka, peido no elevador, sexo na rua, febre ao sol de meio dia, trabalhos acumulados, cerveja, cerveja, cerveja, catador de latinhas atropelado na esquina, churrasquinho de gato, merda, oração de proteção, crianças vendendo chicletes às 2 da manhã, Papa em Cuba, música ruim na jukebox da padaria, o computador não funciona, amigos que não ligam, dormir às 21 horas, punheta, insônia, Raul Seixas estalando na vitrola, molho de tomate vencido, greve de ônibus, cachorro-quente do Careca, amigos que não atendem o telefone, crise nervosa da chefe, dor na costas, Bob Dylan a 800 Reais, cerveja, cerveja, cerveja, achar a bula do remédio genérico, fornicação à vista, tiros, paz, descanse em paz, gentileza gera gentileza, foda-se, fuga para as montanhas, cachorro vira-latas virando lata, fobia de multidão, sorvete de flocos, meias limpas, literatura contemporânea, pratos sujos na pia, objeto voador não identificado às 3 da manhã, saudades do ócio e da barra da saia da mãe... cerveja, chope, cerveja e a solidão está ali sorrindo e dizendo: Sim, eu ainda sou um bom negócio.
Intervenção poética em 2013, no show da banda Wagner José e Seu Bando, na Casa de Vidro no Jazz Blues; Blues Rio das Ostras com o poema "Cerveja, Chope, Cerveja" embalado pelo fundo musical de "Blues da TV".
É um amargo que não desce
em qualquer garganta.
E todos os versos dos poetas
regurgitados e atirados como flechas
em direções incertas.
A palavra é intrusa do ouvido,
rasga os tímpanos,
invade o âmago,
e dos olhos faz nascer a lágrima.
Toda poesia é insensata,
na insensatez do cômico destino.
É um riso histérico,
um desconforto,
uma verdade quase nunca revelada,
onde a caneta é a arma do poeta...
que o poeta dispara
e se torna um assassino!
Singrando nos
mares do desejo, entrando-enterrando-e-errando em carnes macias, aromatizadas e
ejaculando memórias e vastidões de sentimentos antagônicos. Perfume de pecado.
Pecado é não pecar. Pecado é não gozar nos seios da vida lânguida, no vértice
de um musgo feminino, nos lábios intumescidos de desejo, e mergulhar na cadência
envolvente dos quadris - entregue às orações proibidas porém entoadas em bares,
bordéis, casas de swing, ruas escuras e quartos de hotéis (guardados os
eflúvios de mil amantes), provenientes dos uivos libertinos de Sade, Lilith,
Dalton Trevisan, Charles Bukowski, Baudelaire, Baco, Jim Morrisson, Pakkatto,
John Stagliano, Simone de Beauvoir, Jack Kerouac, Safo, Gregório de Matos,
Calígula, Bocage, Rodrigo Santos, Carlos Drummond de Andrade, Tamiry Chiavari,
Júlio Cortazar, Madonna, Rod Britto, Henry Miller, Vinícius de Moraes, Pier
Paolo Pasolini, Lars Von Trier, Frida Khalo, Luz del Fuego, Almodóvar,
Cicciolina, Guilherme Zarvos, Nelson Rodrigues, Mick Jagger, Pomba-Gira, Anaïs
Nin, Carlos Alberto Prates Correia, Cazuza, Neil Cassady, Vera Fisher, Salomão,
Hilda Hilst, Prince, Laurent Gabriel, Dom Pedro de Alcântara Francisco António
João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano
Serafim de Bragança e Bourbon, Nico, Monica Mattos, Ovídio, Felizpe Frutose,
Vladimir Nabokov, Sylvia Kristel, Kátia Flávia-Regininha
poltergeist-Marinara... Fausto Fawcett, Larry Flynt, Carlos Orfeu, Rimbaud, Ana
Farrah Baunilha, Mario Vargas Llosa, Rita Cadillac, Andy Warhol, Giovanni
Boccaccio, John Wilmot, Shirley Fig, Vatsyayana, Tinto Brass, Fabiano Silmes,
Pablo Picasso, Dom Juan, Allen Ginsberg, Stanley Kubrick, Petrarca, Freud,
Eduardo H. Martins, Peter Ellis, Aleister Crowley, Raffaele Rossi, Giovani
Iemini, Valery Bareta, Marilyn Monroe, Àpis, Raul Seixas, Florbela Espanca,
Jorge Amado, Millo Manara, Erika Leonard James, Marcelo Farias, Uschi
Orbemaier, Leonard Cohen, William Burroughs, Tatiana Ronconi, Michael Douglas,
Emmanuelle Arsan, de vários faunos, das putas de Vila Mimosa, das súcubos, dos
freiráticos ansiosos por romperem os muros dos mosteiros, da namoradeira que
espera o consorte para dar em sua janela que dá para a rua, das seguidoras de
Yellamma, das virgens adolescentes nas noites de solidão, das sereias que levam
os navegantes contra os rochedos, das viúvas enlouquecidas pelo vinho, do beijo
de Drácula, da dança das melíades, da virilidade de Príapo, de todas as
indecências e promiscuidades nas cadeias, da polução noturna dos monges, das
revelações entre quatro paredes das donas de casa, da secretária obediente, das
ninfetas que desfilam nas ruas sem calcinha, dos alunos que sonham com as
professoras, dos travestis da Lapa, das matronas saudosas com seus brinquedos
de sex shop, dos bailes de Carnaval e de todas as orgias pelos quatro cantos da
Terra - e depois de tudo, desfalecer na alcova embriagado de êxtase a espera de
mais uma vez, o cio perfeito para pecar.
Vídeo gravado no evento Vozes Soturnas, que aconteceu no Porto Pirata, na Praça da Bandeira, RJ, no dia 23/08/14. O texto mudou, sempre muda conforme a relevância putanhesca dos personagens citados.
Inspirado na forma e no ritmo fascinante do texto do poeta norte americano Saul Williams chamado "Def Poetry Jam", escrevi o poema "Uivos Libertinos", em 2012.
Vídeo gravado por Eduardo H. Martins.
Curiosidade: Os gritos de êxtase ao fundo é do poeta e escritor Rod Britto.
Parti com
meu peito partido
para partes de lugares sempre esquecidos.
Inebriado o meu olhar,
insensato o meu sorriso,
parti com o meu peito partido.
Parti com os meus ideais vendidos,
sou um homem estranho
de espírito cansado e vencido.
Um ser esquisito,
de moral utópica abatida
com os olhos de choro embebidos
ou beija-flor do deserto
que corteja a flor perdida.
Sugo o néctar seco do castigo e me sacio
com o acre sabor da ferida!
Parti com meu sonho partido
para partes de um templo esquecido.
Poeira sufoca no ar,
buracos tropeçam no piso,
pois parti com meu peito partido.
Parti com os meus pés escarnecidos,
sou andarilho mundano
com passos tortos e indecisos.
Um ser promíscuo,
viajante imprudente da vida
com os punhos de sangue tingidos
ou beija-flor da cidade
que corteja a flor apodrecida.
Sugo o néctar carbônico dos sentidos e me atingem
com uma bala perdida! Parti com meu peito partido...
Poema publicado no livro Tudo Que Morre é Consumado (pág. 26, Publicação Independente, 2010).
Vídeo gravado pela Agência Papa Goiaba no evento Uma Noite na Taverna, em setembro de 2014, no SESC São Gonçalo.
Como um boi na fila do abate olho o mundo através de minha janela, com um frio na barriga ouço a canção da chuva sem saber o que me espera. A mesma chuva, ela, a chuva, que testemunhou minha dança nua e minhas promessas de amor, cai pesada como lágrimas enquanto eu quero voltar ao útero materno e fugir deste terror. É apenas tears for fears que toca uma velha canção sobre coragem. Seu passado hoje se levanta. Em algum lugar comem esperanças em pratos vazios. O grande Molock está morto faz tempo! Isso não te assusta?
Tome, olhe no meu espelho e tente enxergar, veja se ainda há brilho nos meus olhos. Não é sentido figurado o peso do mundo em minhas costas, posso sentir cada continente raspando em meus pelos e a goteira de mares rios oceanos a escorrerem em meus fundilhos.
Sente o calor? Então corra, abrace o meu pé e se refresque! Mas saiba que não é só isso. Enquanto escrevo este poema, Rodrigo Santos ainda está numa enfermaria ouvindo sucessos populares.
São Gonçalo, 11 de dezembro de 2013 de uma semana difícil.
Dispa-se de sua melhor roupa! Ouça a
grama crescer e veja que tudo a toda hora a todo momento, o antes e o agora, o
dentro e o fora, toda forma de poder, de foder e de esquecer, o mundo que não
conseguimos segurar em nossas mãos diante de nossos olhos mergulhados no vazio,
nada está ao nosso alcance... Descanse em paz, siga a seta, tem cheiro de gás
nas esquinas – se lembra de quando você brincava no quarto escuro com sua
prima? – coma poeira, meça a palmos a parede e se esconda no desen-canto...
ruídos, rugidos, pruridos, tempus fugiti... tempo fode-te, tempo corrido, não há fuga, não há
vagas, vagabundos e vagabundas se confraternizam na sala de espera do
des-espero. Fácil de montar... difícil entender... desfragmentando a vontade de
viver. Soma: 1 + 1 = 0 a meio confuso. Tenho dito coisas absurdas na frente do
espelho, tenho esperado o cometa Halley desde 1986, tenho espreitado o medo da
solidão na frente da tevê com meu pau na mão... Dispa-se da sua melhor roupa!
Entenda como as palavras cruzadas nunca se encontram e que o olho do furacão e
do cu são cegos e que a palavra que não se cruza com palavra só vale quando
escrita e registrada no cartório e que Deus é um só e você O imagina parecido
com você e que o gato mia, o pombo arrulha, a hiena chora, o burro zurra, o
lobo uiva, o corvo grasna, o cuco cuca, o cão ladra e a caravana passa, o
tigre-urso-e-veado bramem a vaca berra e o pau enterra... Dispa-se de sua
melhor roupa e deixe sua cabeça no congelador para ver se refresca suas ideias!
Eu perdi o meu celular e tenho que comprar outro para falar com o mundo lá
fora!
Paisagem branca... Frio, eu, solitário, em devaneio busco o calor de seu corpo na lembranças ver ti gi no sas do enlevo magistral de nossas carnes... almas... anseios... Paisagem branca. A chuva cai fina e bela. A noite chega serena e saudosa. o silêncio
O céu cai sobre a tarde, azul, fuligens cinzas de imensidão e medo. Um homem sem nome atravessa a rua e os carros seguem os seus caminhos como os pássaros que rasgam o espaço ao seu redor. Chá frio sobre a mesa, não há segredos na saudade. Chamarei esta tarde de vazia e consagrarei com cuspe esse nome, na calçada onde morrem os corações nas vertigens dos sonhos interrompidos.
Vem a chuva, busco seu beijo e torno-me menino a brincar com seus lábios, enquanto os meus dedos escrevem uma canção em seu corpo suave e doce. O velho abacateiro no alto da serra, sob a cândida noite de inverno, testemunhou nossa dança e nos contou como sobreviver a tempestades. Entre flores e vigorosos sussurros, o calor de nossos corpos nos fez esquecer o passado frio de nossas almas. Então, entre nuvens te desejei e após o amor, adormeci num raio ensolarado em seu colo de estrelas.
Seus olhos são tão tristes que as vezes posso me ver escorrendo através deles. Sabe, as vezes o vento muda de direção e nos traz o cheiro de novas flores.
Isso é bom, os cancioneiros mais antigos entoam versos que falam sobre musas e heróis. E eu escrevendo sobre os vários perfumes das flores.
É verdade que os lírios do passado também me fizeram chorar. Esta noite eu sonhei como um louco jamais sonharia, que sentados à beira do abismo riamos da desgraça do mundo.
Os pássaros nunca cantam para o passado, e diante dos passos, mesmo nas noites de solidão, existe o brilho da lua que resplandece no céu como as lágrimas que, vez ou outra, eu escorro.
São Gonçalo, 16 de maio de 2013.
(Ouvindo Leonard Cohen)
Sentir e não tocar, amar sem ter, ter sede e não beber, ter fome e comer restos. Cantar um Blues sem voz, matar a paixão com a própria alma, voar sem sair do lugar. Sem sentido, desconexo, cego sem guia no meio da tempestade, estátua de sal na beira do mar. Cão sem dono, joio sem trigo, céu sem estrelas, vontade de apenas... nada, nadar... afundar... Nada indefinido de um tudo, nadar no infinito.
Ela se diz amarga, mas vejo a docilidade em seus olhos castanhos. Desejo com toda minha insanidade os seus lábios e o seu perfume me conta velhas histórias de amor e me lembra antigas canções de ninar. Seu colo, jovem, ardente, me embriaga em meus devaneios perdidos e divago entre as névoas da cidade cinza que dorme de portas e janelas fechadas. Sorrimos e lamentamos no olho da rua, ela me carrega pelas mãos para viagens de um amanhã que já não vislumbro. Mas, assim mesmo a desejo, quero tocá-la e saber se é real. Contenho-me, disfarço, pois estou velho demais para enxergar a verdade. Só o que eu sei, é que o amargo pode ser tão doce quanto o meu peito é uma porta escancarada.
Sentado à mesa com o rei, todos percebem a minha barba de plebeu. Flerto insistentemente com a dama enquanto o valete se embriaga com uma estranha bebida colorida. Não sei quanto tempo ainda vou aguentar. Soldados massacram vilas em busca de ouro, pássaros se calam ao dobre retumbante dos sinos da solidão, enquanto suo rios de sangue para as hienas refesteladas na falsidade. Não sou mais um bobo da corte, nem um carrasco, nem cetro ou espada, nem ao menos o vento guiado pela mais bela rosa. Não sei quanto tempo vou aguentar. As coisas são assim: a vida é um jogo que se perde, um suspiro não ouvido, uma frase interrompida... O rei brinda e sorri e todos sorriem com ele, e eu sério, sou apontado, zombado, acusado, renegado... então não aguento. Me levanto do banquete e sigo para a concha que me espera.
Ó Deus, o filho que não tive está escrevendo! E mesmo que as estrelas caiam e que o escorpião perca o seu veneno, escreve maravilhas, ó Senhor! Escreve versos temerosos, poemas santos, cartas de amor. Tem em seu peito a marca do poeta, um coração latente, corre nas veias o spleen de escritor que ama, se embriaga, odeia, mente e como escreve, ó meu Senhor! Retrata aflito glórias, tristezas, louvores e assassina o presente com rancor. Esse filho que não tive que escreve com vontade inanimada (vadio e rei no mesmo lado da moeda), que segue a esmo e torto pela estrada sou eu ó Deus, Senhor! O pai do filho que ainda é o filho que traz na alma o desamor.
O Flamboyant avança sobre o muro e beija o asfalto. Flamboyant vermelho, asfalto cinza... O molho está salgado, febre de 39°, vista embassada, boca amarga... A idade avança e a esperança estagna. Já não há verdade sob o céu ou a mentira é tão falsa quanto sua própria natureza. E eu, mesmo que me atire sobre o muro numa folha de papel e beije o asfalto - eu encardido, asfalto cinza - Não passarei de um poema sem qualquer sentido.
Eu vivo de corpo em corpo como um verme a sugar a luxúria purulenta entre curvas e entranhas doces, amargas, suculentas e toda mais essência que eu, o verme, se alimenta. Vivo, assim, me arrastando, penetrando em peles negras, brancas, amarelas e turvas, e encenando e gozando em todas as curvas, o eu verme, se embebeda do prazer na carne crua.
Bebo, como, me alimento, sugo devasso, como um amante atento, cada sopro de desejo contínuo, e enceno o teatro da alcova escura em que eu, o verme, me apresento.
Fim do ato.
De corpo em corpo, como um verme, eu me reinvento. . . .