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27/07/2010

Sapatos Velhos

Essa noite, eu calcei sapatos velhos que me deram,
meus pés entraram meio apertados
mas o conforto veio quando
caminhei pesado pelo meu quarto.

E um vento árido do tempo
me disse que os mesmos sapatos,
de boa grife, e que jamais acabam,
me seriam propícios em minha jornada.

Que eu caminharia torto sobre estradas limpas
e nos caminhos tortuosos eu me selaria gauche.
Mas os sapatos, mesmo empoeirados,
jamais se gastariam como eu à minha alma.

Por fim, serviriam a contento, para enfeitar
meus pés, junto com as flores de meu caixão.

E os sapatos, de boa grife, e que jamais acabam,
nem os vermes comerão!

São Gonçalo, 27 de julho de 2010.

24/07/2010

Angústia (Ou a Dança de Mefistófiles sobre o Claustro da Loucura)


Dancemos com Mefistófiles sobre o claustro da loucura!
Dancemos com Cristo sobre a cruz tombada!
Dancemos sobre a morte da paixão prematura!
Dancemos nus entre raios e trovoadas!
O amargo que oprime o meu peito
e percorre o meu corpo inteiro,
no vão e instintivo desejo
de um pobre e pseudo-cancioneiro.

A insatisfação é sempiterna...
Do pranto que não se enxuga.
Nas costas ostento a dor de uma quimera
e me afundo em vil lama obscura.

Espero o esperar do inferno,
como Mefistófiles dançou diante de Fausto!
Preferia viver num sanatório e interno
viver a louca solidão de meu claustro.

O choro amargo entala na garganta
e faz um nó de angústia em meu peito.
Em minh’alma vadia um temor se agiganta
e meus olhos se desviam fúlgidos do espelho.

Meu claustro me recebe no fim do dia,
depois de horas a fio numa dança maldita,
e me entrego a Morfeu em minha doce apatia
e durmo sonhos que não vivo em minha vida.

Dancemos com Mefistófiles sobre o claustro da loucura!
Dancemos com Cristo sobre a cruz tombada!
Dancemos sobre a morte da paixão prematura!
Dancemos nus entre raios e trovoadas!
(2005/2006).

19/07/2010

A Maldição de Cronos

Não comerás do pão o miolo que te alimenta
E nem beberás do vinho o fermentado que te embriaga,
Não olharás nos olhos a luxúria que te deseja
E nem sucumbirás ao prazer da carne que te enleva.

Caminharás com o peso de teu corpo
A ventilar ao leu os sonhos que não cumpriu
Levarás contigo, de um lado, o fardo da culpa
E do outro o da frustração.

Sentirás no peito o peso dos amores desfeitos
E te assombrarás com os amores que não viveu,
Olharás sempre ao chão onde pisa,
Pois não haverá mais horizonte para onde seguir.

Tragarás os teu erros como julgo
E as vitórias como uma perene lembrança
E te fadigarás com o porvir
Porque o porvir já bem conheces e aguardas.

Destino amargo e cruel te reservo, pobre homem,
Que tem o bastão da vaidade e a ambição
Como o deus que oras a cada dia que se passa
Para acordar na insanidade do pó ao que volverás.

São Gonçalo, 19 de junho de 2010.
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05/07/2010

A Velha Máquina de Escrever

Com minha velha máquina de escrever, olho na janela o sol quebrar a cortina com sua luz diáfana, amarelada e empoeirada. Carros e pessoas se misturam ao som vulgar que enlouquece a minha insensata agonia de existir num mundo que nunca (e nem pensando que vai) existiu. Sou a própria angústia rastejante de minha insígnia branca, de pele quase cinzenta: um morto-vivo! Não respiro. Corro de minha cama! Quero ficar em silêncio para que não me achem dentro do meu guarda-roupas... Converso com meu terno velho e lhe pergunto por quanto tempo ele caminhou comigo nas ruas dessa cidade diabolicamente construída para ostentar porcos poderosos em seus tronos entalhados por falsos querubins. Sinto falta de ar, quero embriagar-me de luxúria nos seios de uma mulher! Quero sentir meus pés flutuarem enquanto piso firme para desfazer uma dormência. Volto para a janela. O dia vai se despedindo triste e maculado por todos os seres viventes (do ácaro ao elefante!). Vivo no subterrâneo de meus sentimentos obscuros e frágeis. Uma xícara de café.... um gole de conhaque... a máquina de escrever... fuga para a insanidade metafísica da criação. Deus, o Criador, foi o louco mais perfeito! Ele quem fez todos os loucos & programou todas as loucuras da humanidade & pôs à prova os loucos, sabendo que o mundo se tornaria o maior hospício do cosmos. A velha máquina de escrever me faz um deus! Sento-me em minha cama, esmago como um elefante milhões de ácaros que se alimentam de minha carne podre durante minhas viagens oníricas e crio um novo mundo!

São Gonçalo, 2006.